Isidoro de Sevilha e as artes liberais

sete artes liberais

Isidoro de Sevilha ou Isidorus Hispalensis (c. 560-636) foi arcebispo de Sevilha, teólogo e enciclopedista.  Sua enciclopédia, As Etimologias ou As Origens, serviu como o texto escolar usado por toda a Idade Média e ganharia uma cuidadosa edição impressa por Günther Zainer em 1472.

Muito além do título de sua obra, As Etimologias buscavam não somente as origens das palavras, mas registrar o conhecimento da Antiguidade clássica. Junto desse depósito cultural compilada das citações e trechos dos antigos autores greco-romanos, Isidoro propôs um verdadeiro currículo para as artes liberais. Com esse material, fomentou um movimento educacional nas dioceses da Hispânia visigótica.

Os excertos aqui apresentados reúnem as concepções de sua época sobre as chamadas sete artes liberais. Essas perspectivas refletem as influências de Marciano Capella, Cassiodoro e Boécio, consolidando o ensino das artes liberais que, sem contar a redescoberta dos autores gregos – especialmente Aristóteles –, continuariam como o texto-padrão da educação ocidental até o Renascimento.

LIVRO I. SOBRE A GRAMÁTICA

I. SOBRE A CIÊNCIA E A ARTE

(1) O termo disciplina tem sua origem em discere (aprender). Por isso pode-se chamar também ciência:  scire  (saber) deriva de discere (aprender), pois ninguém scit (sabe) sem que discit (aprenda). A outra parte de disciplina vem de plena, pois é aprendido algo completamente.

(2) A palavra arte é fundamentada nos preceitos e regras da “arte”. Outros dizem que essa palavra derivou-se dos gregos apo tes areté, ao que chamamos de virtude, o qual se denomina a ciência.

(3) Platão e Aristóteles propuseram a seguinte diferença entre arte e disciplina, dizendo que a arte reside naquelas coisas que são capazes de serem diferentes do que são; mas disciplina é seguramente o que aborda aquelas coisas que não podem ser mudadas. Assim, quando algo é discutido com argumentações verdadeiras prova-se ser uma disciplina; mas quando se discute algo verossímil e sujeito à opinião aplica-se o termo arte.

II. SOBRE AS SETE DISCIPLINAS LIBERAIS

(1) As disciplinas pertencentes às artes liberais são sete. A primeira é a gramática, isto é, a perícia da eloquência. A segunda é a retórica, que é considerada especialmente necessária nas questões civis por causa do brilho e a abundância da eloquência. A terceira é a dialética, também chamada de lógica, que separa o verdadeiro do falso por meio de disputas sutis.

(2) A quarta, aritmética, contém as relações e as divisões dos números. A quinta, a música, que  compreende a poesia e o canto.

(3) A sexta é a geometria, compreendendo as medições e dimensões da terra. A sétima é a astronomia, que contém as leis dos astros.

V. SOBRE A GRAMÁTICA

(1) A gramática é a ciência de falar corretamente e é a fonte e o fundamento do letramento liberal.

Entre as disciplinas, esta foi descoberta logo após das letras comuns, de modo que aqueles que já aprenderam as letras sabem o método de falar corretamente. Gramática tomou o nome das letras, conforme os gregos chamam as letras, gramata.

LIVRO II. SOBRE A RETÓRICA E A DIALÉTICA

I. SOBRE A RETÓRICA E SEU NOME

(1) A retórica é a ciência do falar bem em questões civis com eloquência em persuadir ao que é justo e bom. Chama-se de retórica no grego apo tou rhetorízein, isto é, a eloquência do discurso, pois o discurso entre os gregos é chamado rhesis, e o rhetor orador.

(2) A retórica está aliada à arte gramática. Na gramática aprendemos a ciência de falar corretamente, e na retórica descobrimos de que forma a expressar as coisas aprendidas.

XXII. SOBRE DIALÉTICA

(1) A dialética é a disciplina que visa determinar as causas das coisas. Em si mesmo é a subdivisão da filosofia que é chamado de lógica, isto é, a capacidade racional de definir, inquirir e discutir. Ela te ensina os diversos tipos de questões como distinguir o verdadeiro do falso, diferenciados pelo debate.

(2) Alguns dos primeiros filósofos empregavam a dialética em seus discursos, mas não a refinaram ao nível de uma arte. Depois deles, Aristóteles sistematizou o objeto deste ramo do saber, e chamou-a dialética, porque não há discussão de palavras (dictis), pois lekton significa dictio. E dialética segue após a disciplina de retórica, pois elas têm muitas coisas em comum.

XXIII. SOBRE A DIFERENÇA ENTRE A DIALÉTICA E A RETÓRICA.

(1) Varro, nos nove livros das Disciplinas, definiu dialética e retórica pela seguinte analogia: “A dialética e retórica são como o punho fechado e a palma da mão aberta de um homem, a primeira apreende as palavras e a última expande-as”.

(2) a dialética é mais afinada para expressar as coisas com precisão, a retórica é mais eloquente em persuadir aos ensinos ministrados. A dialética raramente aparece nas escolas, mas  a retórica continua sem interrupção nos fóruns. A dialética geralmente alcança poucos estudantes, mas a retórica alcança o povo.

(3) Antes de explicar o Isagoge, os filósofos costumeiramente dão uma definição de filosofia, a fim de que as coisas que lhe dizem respeito possam ser demonstradas mais facilmente.

LIVRO III SOBRE A MATEMÁTICA

PREFÁCIO

Matemática, em latim a ciência do aprendizado, considera a quantidade abstrata, aquilo que nós tratamos apenas pela razão, separando-o pela razão da matéria ou de outros não essenciais, em igualdades, desigualdades. E existem quatro tipos de matemática, ou seja, aritmética, geometria, música e astronomia. A aritmética é a ciência da quantidade numérica em si. A geometria é a ciência da magnitude e das formas. A música é a ciência que trata de números que são encontrados nos sons. A astronomia é a ciência que contempla os cursos e parâmetros dos corpos celestes e todos os fenômenos das estrelas. Essas ciências descreveremos um pouco mais detalhadamente, para que seus significados possam ser plenamente demonstrados.

I. SOBRE A DISCIPLINA DA ARITMÉTICA.

(1) A aritmética é a disciplina dos números. Os gregos chamam de número arithmos. Os escritores da literatura secular queriam pô-la como a primeira entre as disciplinas matemáticas, uma vez que não precisa de outra ciência para sua própria existência.

(2) Mas a música e geometria e astronomia, que se seguem, precisa de sua ajuda, a fim de ser e existir.

X. SOBRE OS INVENTORES DA GEOMETRIA E SEU NOME.

(1) Dizem que a disciplina da geometria teria sido descoberta pela primeira vez pelos egípcios. Quando o Nilo transbordou e todas as suas terras foram cobertas com lama, começou a divisão da terra por linhas e medições deu o nome à arte. E, mais tarde, foi desenvolvida pela perspicácia dos sábios para medir os espaços no mar, no céu e no ar.

(2) Despertados pelo entusiasmo de medir a terra, os alunos começaram a investigar os céus: qual era a distância entre a Lua e a Terra, qual a distância até o cume do céu. Assim, mediram em número de estádios, com provável razão, as distâncias do céu e da circunferência da Terra.

(3) Como esta ciência surgiu a partir da medição da Terra, reteve esse nome também desde seu início. A geometria é assim chamada de medição da Terra. A Terra é chamada ge em grego, e medição, metron. A arte desta ciência inclui linhas, distâncias, magnitudes e formas, além de  números e dimensões.

XV. SOBRE A MÚSICA E SEU NOME.

(1) A música é o conhecimento prático da melodia, que consiste em som e  canto; e é chamada música por derivação das Musas. E as Musas foram chamadas apo tou mostai, isto é, porque através delas, como os antigos pensavam, se buscava desenvolver as canções e a melodia da voz.

(2) Como o som é algo de sentimento que passa ao longo no tempo passado,  é impresso na memória. A partir disso, poetas imaginaram que as Musas eram filhas de Júpiter e de memória, pois os sons são mantidos na memória pelo homem que perecem, porque não podem ser escritos.

XXIV. SOBRE A ASTRONOMIA

(1) A astronomia é a lei dos astros, incluindo os cursos dos corpos celestes e suas formas e características, e os movimentos regulares das estrelas com referência entre si e com a Terra.

XXVII. A DIFERENÇA ENTRE ASTRONOMIA E ASTROLOGIA.

(1) Há alguma diferença entre a astronomia e a astrologia. A astronomia aborda a revolução dos céus, o surgimento, posição e o movimento dos corpos celestes, e a origem de seus nomes. Astrologia, por outro lado, é em parte natural e em parte supersticiosa.

(2) É natural quando se descreve os cursos do sol e da lua e a posição das estrelas em estações regulares. É supersticiosa quando proposta pelos mathematici que profetizam pelas estrelas, e que atribuem aos doze signos do céu às partes individuais da alma ou do corpo, e se esforçam para prever a natividade e personalidade das pessoas pelo curso das estrelas.

XXVIII. O OBJETO DA ASTRONOMIA

(1) O raciocínio da astronomia compreende várias partes. Define, entre outros, o mundo e os céus, a localização e curso da esfera terrestre, o eixo e os polos dos céus, as regiões celestes, e o curso do sol, lua e as estrelas.


Versão bilíngue latim-português desses excertos:

Isidoro de Sevilha. As Etimologias. 

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