Antropologia Corporativa: suas aplicações

A antropologia é a disciplina que estuda o ser humano de forma ampla mediante métodos científico e humanístico. Funciona bem para estudar comunidades, desde aldeias à tribos de adolescentes urbanos. E, como a antropologia se aplica à organizações de negócios?

Marietta Baba, antropóloga e professora na Wayne State University, define em seu livro Business and Industrial Anthropology (1986) a antropologia de empresas como “prática antropológicas que aplicam teorias e métodos da disciplina na atividade de resolução de problemas no setor privado das organizações”.

A antropologia aplicada à administração de empresas hoje trabalha em duas frentes, uma interna e outra externa. Internamente compreende as áreas de gestão de recursos humanos e estudo organizacional. Externamente, estuda o marketing e o comportamento consumidor.

História

A história da antropologia de negócios desenvolveu paralelamente à disciplina geral. O pioneiro da antropologia Bronislaw Malinowski (1884 – 1944) ao estudar o sistema Kula no Pacífico Ocidental descreveu um sistema econômico e empreendimento não ocidental, mapeando todo o processo, organizações e instituições envolvidos nesse sistema. O cientista social Thorstein Veblen (1857 – 1929) em sua Teoria da Classe Ociosa iniciou o estudo do consumo.

A antropologia surgiu para ser aplicada à administração colonial, mas sua própria reflexão ética levou a rejeitar empreendimentos exploratórios. A antropologia corporativa ficou latente entre a 2ª Guerra Mundial e o final da década de 1970, quanto voltou a ser aplicada ao ambiente empresarial, empregada por companhias como Xerox, IBM e Microsoft.

O caso clássico e incipiente da antropologia corporativa é o Estudo Hawthorne. Em 1928 a Western Electric Company iniciou um ambicioso projeto de gerenciamento científico de seus 20.000 funcionários em sua unidade Hawthorne, próximo a Chicago.

A metodologia inicial era tipicamente taylorista, com medições de variáveis (iluminação, pausas de descansos, pagamento de incentivos) visando o aumento de produtividade. Os dados resultantes eram contraditórios e sem alguma correlação aparente. Chamaram o psicólogo industrial de Harvard, Elton Mayo (1880 – 1949) para analisar os resultados. Mayo tentou alterar a metodologia, com medições fisiológicas e entrevistas, mas mesmo assim não obtinha as respostas esperadas. Mayo contatou o antropólogo W. Lloyd Warner (1898 – 1970) em 1931 para ajudá-lo na pesquisa.

Lloyd Warner empregou a etnografia organizacional e por observação sistemática percebeu, entre outras coisas, que além de interesses individuais havia uma cultura coletiva guiando o comportamento dos funcionários. Também notou que a presença dos pesquisadores alterava a atuação do empregado – o efeito Hawthorne – e que organizações informais surgiam paralelo ao gerenciamento, com seus objetivos e valores próprios.  Resultante do trabalho de Lloyd Warner e Mayo nasceu a escolas de relações humanas na administração de empresas e a antropologia organizacional.

Recursos Humanos e Estudo Organizacional

Cada instituição possui sua cultura corporativa e ninguém melhor do que um profissional da cultura para estudá-la.

O antropólogo empresarial usa de ferramentas como a análise organizacional, mapeando relações de poder informais e formais, estudando papéis assumidos dentro dos grupos, canais de comunicação, valores coletivos e individuais dentro de uma organização.

O uso da antropologia avaliaria a eficácia de muitos projetos. Por exemplo, caso uma empresa queira avaliar a efetividade das palestras motivacionais contratadas, pode-se utilizar da etnografia. Um antropólogo acompanharia a equipe antes, durante e após tais palestras e avaliaria se é viável ou útil empregá-las no futuro.

Através de observação-participante o antropólogo administrativo faz análise de processos e práticas. Diferente da prancheta do engenheiro de produção, embora aproveitando dados quantitativos oriundos dessa metodologia, avalia qualitativamente esses fatores, buscando maximizar suas eficiências.

Por ser sensível à diversidade humana, o antropólogo é valioso no treinamento da equipe. Facilita também nas mudanças, tanto em novos procedimentos quanto em fusões e re-estruturações corporativas, principalmente quanto se trata de multinacionais, nas quais se envolvem culturas tão distintas.

A gestão de pessoas é outra aplicação da antropologia empresarial, localizando talentos, desenvolvendo potenciais e gerindo a diversidade humana. A cada vez mais a diversidade se torna ponto estratégico e sensível, empregar pessoas de várias personalidades, não só com perfil de liderança, mas também de seguidores são vitais. Garantir o espaço de minorias étnicas, de gênero, de habilidades são importantes em um ambiente de trabalho com responsabilidade social corporativa e o mais importante, enriquece a empresa.

O antropólogo pode também gerir as divisões de responsabilidade social e ambiental de uma empresa, consolidar as relações com populações afetadas pelas atividades corporativas, garantir um desenvolvimento sustentável. O conhecimento técnico antropológico facilita à adaptação às normas legais e aos selos de certificação.

O saber antropológico também se aplica de forma externa à empresa, na relação com clientes de outras culturas e no marketing.

Lidar com culturas diversas sem cometer gafes requer muito tato, o que geralmente o antropólogo desenvolve e o capacita para treinar executivos em negociações interculturais.

Marketing e Consumo

Um antropólogo possui a capacidade de gerenciar o capital simbólico, compreende o quanto produtos e serviços possuem conotações e valores além de seus valores tangíveis no marketing.

Todas fases do marketing, do design à  localização de um mercado-alvo e aplicação da publicidade, aproveitam dos conhecimentos da antropologia.

A antropologia do design de produtos e serviços é hoje empregada por firmas em um ambiente mais natural de pesquisa. Há uma dissonância entre o que as pessoas dizem e como elas se comportam. O público consumidor pode declarar sua preferência pela marca X em entrevistas de mercado, mas comprar mais o Y pela sua funcionalidade ou preço. A etnografia do design providencia uma visão mais acurada nesses casos.

A localização e adaptação de mercados é feita por antropólogos empregando técnicas de análises demográficas e pesquisa qualitativa, prevendo a receptividade de produtos. O biscoito Oreo’s é diferente na China, onde parece mais com o Bis do Brasil do que a bolacha recheada tipicamente americana. A compreensão do comportamento dos consumidores é vital para o sucesso de qualquer negócio.

O monitoramento de marcas e tendências podem ser realizadas através de etnografias. O antropólogo observa e conversa com o usuário em seus habitats naturais. Joga videogame com consumidores de Xbox, come em restaurantes com amigos e conversa com adolescentes em shoppings. Visa descobrir a percepção e utilidade de marcas e produtos.

Métodos de trabalho

O antropólogo empresarial trabalha com técnicas etnográficas, como observação-participante, forma estruturada de observar com certa objetividade e sintetizar informações através de intensa e prolongada interação do antropólogo e seu campo. O etnógrafo empresarial utiliza também entrevistas informais, entrevistas semi-estruturadas e questionários com clientes, fornecedores e funcionários.

Outras técnicas utilizadas são o “shadowing”, acompanhando usuários e outros atores com o mínimo de incômodo, e o acompanhar o fluxo das coisas em uma cadeia de suprimento, práticas superúteis para UX research e design de produtos.

A antropologia corporativa possui flexibilidade para trabalhar com os mais diversos setores econômicos, desde educação à agro-indústria e adapta rapidamente à novas realidades, como a ascensão da classe C e o mundo virtual.

Ciber-etnografia permite agora o mapeamento de redes sociais, permitindo a análise de conteúdo e traçar perfil comportamental e sócio-demográficos de usuários. A antropologia online usam programas analíticos para estudar o Facebook, Orkut, Twitter, fóruns e blogues aliados à netografia. A técnica permite resultados rápidos, devido grande parte dos dados brutos já existirem disponíveis na rede.

Planejamento estratégico

Como vemos, o saber antropológico permite acesso a informações estratégicas, permitindo decisões com segurança.

No Brasil há ainda limitações para o setor de antropologia empresarial devido a falta de especialistas. Por um tempo, a Unicamp era a única universidade a possuir uma linha de formação e pesquisa para antropólogos atuarem na área de negócios. A Universidade Federal Fluminense também possui destaques nos estudos de consumo. Também o empresariado nacional desconhece a capacidade, eficácia e eficiência da antropologia. Mas aos poucos, as coisas começam  a mudar.

O crescimento econômico e a expansão dos negócios brasileiros além das fronteiras convencionais fazem da antropologia corporativa uma ferramenta necessária. A Odebrecht, ao espalhar suas atividades internacionalmente, encontrou dificuldades operacionais no Peru. Uma antropóloga foi contratada para adaptar as políticas da empresa à cultura local. A Gessy-Lever quando decidiu oferecer produtos para a classe C lançou mão de instrumentos etnográficos no design e marketing de produtos voltados a este segmento.

Por fim, o antropólogo por evolver-se com tantas partes interessadas torna-se um nódulo em uma complexa rede de contatos e fluxo de conhecimentos. Estando nessa posição, pode ocupar funções estratégicas de ombudsman, membro de comitê de ética, negociador e facilitador. Desse modo, o antropólogo atua como reserva moral, informando conselhos administrativos e executivos dos impactos de suas decisões. Tornam-se virtualmente as consciências das organizações.

Vemos que o crescimento social e econômico das empresas brasileiras ganham muito com o saber antropológico. Vale a pena aplicar esses conhecimentos e garantir um crescimento seguro e sustentável.

SAIBA MAIS

Bill Beeman. Antropología para negocios.

http://www.julianbueno.com/antropologia-de-negocios/ 

9 comentários em “Antropologia Corporativa: suas aplicações

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  1. É um ótimo nicho a ser explorado para quem não conseguiu ser alienado pelo ensino das ciências sociais no Brasil. Os professores nem se quer falam da existência disso na antropologia.

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